quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Nesta data "querida"...

Após um longo tempo sem atualizar, venho aqui "dar as caras". Pequenas e solitárias palavras irei deixar.
Neste dia, nada especial e completamente sem sentido, resolvi colocar alguns pensamentos meus neste cantinho escuro, não iluminado pela luz que entra no meu quarto. Aliás, devo especificar que esta luz não é daquelas beeeem fortes, e sim tímida, como que quase se apagando. É uma luz teimosa, antes pouca do que nenhuma (ela pensa). O Sol não está brilhando ardente no céu, e eu vejo essa situação como algo convidativo para melhorar um pouco (ao menos) o meu dia de depressão.
Abri um livro que muito gosto: "Sonetos" de Bocage, e sem saber por quê, mas abri exatamente na página de uma das poesias dele que mais me afeta. Irei escrevê-la aqui:


Página 40 - poesia 20

Deixar, amado bem, teu rosto lindo,
Teus afagos deixar, tua candura,
Tanto me oprime, que da morte escura,
Sobre mim negras sombras vêm caindo.

Eu parto, e vou teu nome repetindo,
Porque dê desafogo, à mágoa dura;
Meus tristes ais, suspiros de amargura
Aquém dos mares ficarás ouvindo.

Mas se me cercam no cruel transporte
Quantas fúrias o báratro vomita,
Se meu mal é pior que a mesma morte:

O fado em me aterrar em vão cogita!
Com todo o seu poder não pode a sorte
Tua imagem riscar desta alma aflita!


Belas são estas palavras. Às vezes penso cá comigo mesma se seria capaz de escrever algo que chegasse à um décimo do que esta poesia consegue ser. Vejo-me totalmente longínqua de ter um dom tão incrível como este. Sei que escrevo bem, mas jamais brilhantemente como Bocage e muitos outros...

Agora sinto-me sem saída: Precisarei colocar algo da Florbela Espanca aqui. Se estou falando de mim mesma, inevitavelmente necessitarei das palavras dela.

CASTELÃ DA TRISTEZA

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor ...
E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ...
- E o meu olhar é interrogador -
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ...
Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ...

Castelã da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? ...

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ...
Que sonho afagam tuas mãos reais? ...


Não consigo comentar o que este poema me significa. É tão além que não me parece possível fazer qualquer descrição. São palavras milimetricamente costuradas de modo perfeito.

E envelheço... E por mais que o faça, continuo a pensar que nem o principezinho "As pessoas grandes são decididamente muito bizarras".
Um trecho que adoro:


"E voltou, então, à raposa:
- Adeus, disse ele...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o
coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se
lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves
esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável
pela rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se
lembrar."


Um pequenino pedaço do livro "Porque não se matava" de Lima Barreto:

"Esse meu amigo era o homem mais enigmático que conheci. Era a
um tempo taciturno e expansivo, egoísta e generoso, bravo e
covarde, trabalhador e vadio. Havia no seu temperamento uma
desesperadora mistura de qualidades opostas e, na sua inteligência,
um encontro curioso de lucidez e confusão, de agudeza e
embotamento."


Li há uns dias e é simplesmente o resumo do que acho: "Nenhum homem jamais se sentiu perfeitamente feliz no presente; se acontecesse, isso o
envenenaria." Schopenhauer - O vazio da existência

E agora, nesse momento sinto isso: "Quando o coração está em maré baixa, o mundo acaba por ser uma onda à deriva. Nessa tarde, Marguerite Remy passeou pelas ruas de Paris, de mãos dadas com a solidão." Jocelyn Bresson - Diário de uma virgem

Assim como Florbela, para mim exatamente no mesmo nível, não poderia deixar de colocar aqui Fernando Pessoa. Simplesmente um gênio! Sou fã, amante de suas palavras, independente do heterônimo. Esta poesia a seguir foi escrita por Pessoa no ano de 1913:



ABDICAÇÃO

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.