quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Call me crazy and I'm proud to be


"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura."
Friedrich Nietzsche

"Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura."
Aristóteles

"O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio."
Fernando Pessoa

"A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia."
Michel Foucault

"A loucura é o sonho de uma única pessoa. A razão, é sem dúvida, a loucura de todos."
André Suarés



O que é a loucura? Perguntinha complicada de se responder. Primeiramente vou ao dicionário, e então teremos a definição simples do que é:

loucura sf. 1. Estado, condição ou ato de louco. 2. Insanidade mental.


O que reparo é que os ocidentais enxergam a loucura com grande negativismo. Talvez pelo fato de que os ocidentais apresentam enorme temor por tudo que é desconhecido e fora do padrão. Quando vêem, então, alguém que não se encaixe nos valores morais e nas regras robotizadas, com ações não padronizadas, o chamam de "louco" ou "anormal", porque o normal para eles é seguir tudo que já está naturalizado. Faço aqui uma comparação que vi num site e achei bem pertinente, que dizia que o ser "anormal" passa a ser visto como um câncer, que deve ser retirado imediatamente da convivência social. Daí os hospitais psiquiátricos e etc.

Vejamos agora, a definição de "louco" pelo dicionário:

louco adj. 1. Contrário à razão. 2. Perdido, apaixonado. 3. Temerário. 4. Excessivo, extraordinário. adj e (sm) 5. (Indivíduo) extravagante, esquisito. 6. (Indivíduo) demente, alienado.


Logo, no primeiro momento, explica-se que é alguém que não faz uso da razão como qualquer outro. Um indivíduo que não corresponde à realidade da sociedade. Depois, ao dizê-lo esquisito, explicita o quão diferente ele é da normalidade; para depois, chegar à enfermidade mental (demência), e a talvez consequente alienação.

Diferentemente de muitos textos que já li, vejo a loucura não como fruto de uma exclusão social, mas enxergo a última como consequência direta da primeira. Acho que a pessoa se afasta da sociedade porque esta a obriga, com sua reação de temor ao que lhe é estranho. A loucura é, pois, um fenômeno cultural (além de sociológico). É " (...) uma manifestação de uma dicotomia entre o sujeito que produz e aquele outro que em um modelo capitalista contemporâneo, não gera lucro, sendo assim imbuído de uma loucura asseverada pela mensuração do capital."

Isaias Pessotti (A Loucura e suas Épocas, 1995) apresenta três 3 visões acerca da perda do controle da mente: A místico-religiosa, que atribui a loucura à possessão de espíritos, ou a influência de deuses malignos ou demônios que usam os humanos para suas práticas perversas. E aqui temos o exemplo da Grécia clássica, as peças de Ésquilo (loucura como imposição divina) e Santo Agostinho, no seu livro LXXXIII, adverte que:

"O mal diabólico se insinua por todas as vias sensoriais; faz-se conhecer em formas, recobre-se de cores, manifesta-se em sons, embosca-se em perfumes, infunde-se em sabores".


Temos também, a passional, onde a loucura seria baseada em emoções intensas e descontroladas, ou seja, sentimentos confusos, cujos exemplos podem ser as obras de Eurípedes, Hipólito e Medeia. No conflito entre a razão, que aponta para o bem, e o desejo, que influencia a vontade, a razão pode perder a supremacia.

"Sei que crimes estou na iminência de cometer", disse Medéia, "mas o desejo é mais forte que minhas razões"


E, por fim, a naturalística, que diz que a loucura seria consequência de desequilíbrios do organismo, ligando-a a fatores genéticos. Hipócrates, o pai da Medicina, já sugeria que a loucura seria o desequilíbrio dos humores do corpo (o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra), onde cada uma se relaciona com um órgão particular do corpo: o coração, o cérebro, o fígado e o baço.

Volto aqui a citar Émile Durkheim para explicar ajudar-me a definir a loucura. Em "Regras do Método Sociológico", de 1973, explicou a loucura como um fenômeno social de segregação. "Aqueles indivíduos que não se adequavam às regras de comportamento social da média da população eram estigmatizados e estereotipados, percebidos como elementos perniciosos à padronização da sociedade. Esses seres que destoavam de todo o conjunto supostamente harmonioso da sociedade burguesa capitalista (a qual não sabe lidar com as diferenças entre si e entre seus semelhantes) deveriam ser enclausurados, colocados à margem de seu convívio social e tratados como marginais."

Já Rute Benedict (Padrões de Cultura, 1983), dá uma visão antropológica acerca da loucura, ao dizer que ela possui status de autoridade e respeito, inserida em um contexto social, sendo esses impulsos mentais uma manifestação de sua própria essência e existência.

"Na Idade Média e Renascença, a loucura estava atrelada a aspectos transcendentais de caráter imaginários, inerentes à magia e bruxaria que rondavam esses períodos históricos. Na Idade Clássica, é o Jus Status, o qual representa o poder para julgar e segregar todos aqueles que eram considerados loucos. Com o advento do manicômio, que em seu escopo teria a função social de zelar pelos moribundos, mas que na verdade não passava de um rincão de torturas, onde a loucura passa a ser tratada como uma doença diferente das demais que assolavam o velho continente. Existia o início de um olhar médico sobre a loucura e não mais uma representação simbólica de crenças religiosas ou uma forma coercitiva jurídica-estatal.

Na civilização ocidental, a loucura passou a ser encarada como problema médico apenas no início do século XIX, quando o francês Philippe Pinel iniciou o tratamento médico humanitário dos doentes mentais, livrando-os das cadeias e dos asilos, onde eram segregados da sociedade."


Freud explica o que seria loucura a partir do estudo dos mecanismos de defesa. Coloco aqui a definição de Rubem Queiroz Cobra: "Os mecanismos de defesa são aprendidos na família ou no meio social externo a que a criança e o adolescente estão expostos. Quando esses mecanismos conseguem controlar as tensões, nenhum sintoma se desenvolve, apesar de que o efeito possa ser limitador das potencialidades do Ego, e empobrecedor da vida instintual. Mas se falham em eliminar as tensões e se o material reprimido retorna à consciência, o Ego é forçado a multiplicar e intensificar seu esforço defensivo e exagerar o seu uso. É nestes casos que a loucura, os sintomas neuróticos, são formados. Para a psicanálise, as psicoses significam um severa falência do sistema defensivo, caracterizada também por uma preponderância de mecanismos primitivos. A diferença entre o estado neurótico e o psicótico seria, portanto, quantitativa, e não qualitativa." Explica então, que a loucura é a impossibilidade do Ego para realizar sua dupla função (conciliação entre Id e Superego, e entre estes e a realidade).

Bem, tenho uma visível e explícita admiração por Arthur Schopenhauer e definitivamente não posso deixar de comentar a sua essencialidade nesta questão. O que Schopenhaur escreveu sobre a loucura antecipou a teoria da "repressão" e a concepção da etiologia das neuroses na teoria da Psicanálise de Freud. A psicologia em Schopenhauer também contem aspectos do que veio a ser a teoria fundamental do método da livre associação de idéias, utilizado por Freud.

Por hoje é isso aí, folks.
:]

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Suicídio: Sim ou não? - Parte 2

Linha histórica

Somente com o chamamento à razão pelo Renascimento; e à razão e à tolerância e ao liberalismo, pelo Iluminismo; que o suicídio passou a ser menos repreendido. A Revolução Francesa promoveu, então, a primeira "desincriminação" do suicídio na Europa moderna, tanto que esta conduta não era penalizada no Código Penal Francês (1791).

A "moral vitoriana" impunha fortes regras e proibições sociais. O suicídio, nessa época, era visto como ato de vergonha, exatamente pela visão de ser uma patologia, e com isso, era ocultado da sociedade. Surge o estudo de Durkheim (já citado), e o suicídio passa a ser objeto da psiquiatria.

No século XX, com as grandes crises e catástrofes, podemos citar autores como Kalina e Kovadloff, que "definem o suicídio como uma reação psicótica e resultante de uma indução, e não apenas o resultado de uma livre determinação individual", crendo na existência de uma cultura suicida, típica de nosso tempo.

A análise histórica nos faz enxergar a divisão de três doutrinas: A psiquiátrica (Suicídio como patologia ou doença psiquiátrica. O suicida sofre de uma enfermidade mental ao cometer o ato), a sociológica (Suicídio tem determinante social. As forças externas influem na taxa; e em períodos de guerra, por exemplo, ocorre flutuação) e por fim, a psicológica (Defende que a patologia tampouco os fatores sociais não são motivos para o indivíduo tirar a sua própria vida. Os determinantes são atores pessoais e as motivações particulares, conscientes ou não).

"Freud (...), então, procurando explicar o suicídio, foi elaborando uma idéia de agência psíquica que poderia justificar a culpa e a auto-acusação como conceitos importantes para o entendimento da depressão e da melancolia. Deste modo, em 1923, na sua obra O ego e o id, formulou o conceito de superego, com funcionamento inconsciente, bem como as suas relações com o ego, que possibilitaram uma melhor compreensão da dinâmica do suicídio. Para o ego viver, precisa de certa dose de auto-estima e apoio das forças protetoras do superego e, assim, o medo da morte, na melancolia, acontece quando o ego se desespera, porque se sente odiado e perseguido pelo superego. O suicídio é uma expressão do fato de que terrível tensão, produzida pelo superego, ficou insuportável. A perda de auto-estima é tão completa que toda esperança de recuperá-la é abandonada. O ego se percebe desamparado pelo superego e se deixa morrer."


Suicídio: Sim ou não? - Parte 1

"A ideia do suicídio é uma grande consolação: ajuda a suportar muitas noites más."
Friedrich Nietzsche

"O suicídio não é querer morrer, é querer desaparecer."
Georges Perros

"A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade."
Emil Cioran

"O suicídio é a porta de saída do covarde."
Francisco Amado



Introdução

Começarei aqui um debate sobre este tema que considero tão interessante. O suicídio, antes de tudo, é um fenômeno que ocorre principalmente nas grandes cidades de países desenvolvidos. O Japão e a Rússia são os que lideram o 'ranking' no mundo. Agora, digam-me vocês, o suicídio deve ser visto como algo bom ou ruim?

Teoria Sociológica

Inicialmente, faço uma breve apresentação da teoria do francês Émile Durkheim. Primeiramente, sua definição do que seria o suicídio: "Todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado". O cientista social considerava-o um aspecto patológico (Ou seja, uma doença, uma disfunção) característicos das sociedades modernas (Lembrando que esta teoria foi dita em 1897). O que mais me chama atenção no estudo de Durkheim é o fato de que ele não o enxerga como fenômeno individual, mas social; e diz que o suicídio não é causado por loucura, depressão ou desconforto econômico, mas o cume do mal-estar social onde vivem. Pode-se dizer, de acordo com o trabalho de Durkheim, que quantas mais aptidões escolares, poder económico e social tem o indivíduo, maior é a tendência que o mesmo tem para o suicídio (Podemos comprovar com os exemplos de Japão e Rússia).

O autor recorreu à três tipos de suicídio que me sinto obrigada a resumí-los. O suicídio egoísta é "(...) caracterizado por um estado de depressão e de apatia, fruto de um individualismo exagerado.", em suas próprias palavras. O indíviduo já não tem uma forte ligação com a sociedade, e vive então "(...) no meio do tédio e do aborrecimento (...)". É quando o Eu individual está a frente do Eu social e então "(...)o vinculo que liga o homem à vida se distende, é porque o vínculo que o liga à sociedade também se distendeu." Já o suicídio altruísta se caracteriza por uma ligação social fortíssima, e até mesmo, excessiva. O melhor exemplo deste ocorre na sociedade militar, onde o suicídio é utilizado como resposta à elevada pressão hierárquica imposta. O terceiro, o suicídio anômico, é o mais enfatizado. Está estritamente ligado a um grande desenvolvimento, principalmente na área industrial e comercial, então é o que mais ocorre nas sociedades modernas. Aron explica que "Nestas sociedades, a existência social não é regulada pelo costume; os indivíduos estão em competição permanente uns com os outros; esperam muito da existência e exigem muito dela, e encontram-se perpetuamente rondados pelo sofrimento que nasce da desproporção entre as suas aspirações e as suas satisfações."

Filósofos e autores

Uma visão negativa do suicídio seria a de Sartre, que o coloca como um ato de liberdade que destrói todos os atos futuros de liberdade. Ressalta pois, a irracionalidade de tal atitude. Segundo Santo Agostinho, o suicídio é um fracasso da coragem, é o "escapismo" existencial. Os indivíduos não tentam o suicídio por ser a coisa mais razoável para fazer, mas sim, porque é a saída "fácil" do seu problema.
Podemos reparar então, que já no século IV, A Igreja prega seu conceito com relação ao suicídio, com o exemplo já dito de Santo Agostinho. Ele assinalou que o suicídio era uma "pervesão detestável" e "demoníaca", e que o "não matarás" estendia-se também a "não matarás a si próprio". Spinoza nega que seja um ato de virtude pois visa a destruição do que foi a essência mesma do homem, seu poder e sua tendência fundamental. E por fim, Rousseau expõe ser contrário ao suicídio ao afirmar que todo o homem é útil à humanidade pelo simples fato de existir.

Em oposição aos autores citados acima, enfatizarei Emil Cioran. Nascido na Romênia, costuma ser conhecido como filósofo do pessimismo, recaindo em um ceticismo e niilismo radical – possui fortes influências de Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger, etc. Uma frase marcante é: "Só vivo porque posso morrer quando quiser. Sem a idéia do suicídio já teria me matado há muito tempo". Ao mesmo tempo que enaltece o fênomeno individual, o autor opta pelo não-suicídio. Essa incoerência é observada até mesmo pelo próprio Cioran, que tenta justificá-la. A que achei mais pertinente é que um pessimista acostuma-se com o absurdo e com o Nada, e abandona, assim, a idéia de se matar. A vida, para Cioran, tornou-se um hábito... E consequentemente, um vício. Porém, não podemos descartar o fato de que o autor, em seus textos, defende a ideia, ao contrário da maioria.

Religiões

O catolicismo, condena e vê o suicídio como um 'pecado' (Seja lá o que isso signifique), um desrespeito às leis de Deus. Sua visão de suicídio é obviamente limitada, apontando-o como moralmente inaceitável. E a pergunta que se faz é: O que é a moral? Por qual motivo ela determina o que é tolerável ou não?

Não muito diferente, o espiritismo também não aceita o suicídio, sob a justificativa que se trata de uma transgressão à Lei Divina. Ao acreditar na vida após a morte, a doutrina afirma que os espíritos suicidas sofrem muito, passando por demasiados tormentos após o desencarne (morte do corpo).

No budismo, o suicídio é visto como algo inútil, pois visto leva o homem a uma nova reencarnação, à volta ao mundo e às dores. A única exceção é quando o homem já atingiu o Nirvana, visto que ele já não mais existe. Nesse caso, julgando estarem fazendo o bem, monges budistas morrem carbonizados em protesto a alguma coisa que aflija os homens. Enquanto o Oriente considera a morte autoinfligida aceitável em questões de honra, no Ocidente o ato é com frequência associado ao egoísmo, obra de alguém fraco que não conseguiu lidar com uma situação. Tanto que o samurai preferia realizar o seppuku, e retirar sua própria vida, do que viver envergonhado (ao perder sua honra).

Já o judaísmo e islamismo, assim como o cristianismo, consideram a vida sagrada, com relevância profundamente teológica. O suicídio é, então, um ato injusto, não digno, sujeito à punição de não merecer os rituais de velório e enterro. Essas punições vieram com a Idade Média, com repreendas ao cadáver como a negativa de sepultamento em solo consagrado, as mutilações e mesmo rituais especiais, derivados de várias superstições, como o vampirismo. Passou-se, já nessa época, a considerar que somente nos casos de "melancolia" ou "loucura agressiva" estaria o suicida isento de ter seu corpo desfalecido tratado com vilipêndio, o que raramente acontecia.

Referentemente ao islamismo, religião fundada pelo profeta Mohammed, o ato é objetode fortíssimo repúdio, mais do que em qualquer outra religião (!), penalizando até mesmo a família do suicida, que se vê desonrada e marginalizada.


Em breve, prosseguirei com o discurso. :*

domingo, 13 de dezembro de 2009

Ataraxia

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." Fernando Pessoa


Ao mesmo tempo que me parece ser deprimente e limitada essa forma de viver, descobri que é deveras uma incrível panacéia.