sábado, 27 de abril de 2013

À luz da Taberna - Parte 3: Eric

Rio da tragédia que me cerca. Rio da guerra. Rio do caos. Rio da mesma forma que bebo: Em demasia. Prefiro rir adoidadamente do que deixar-me levar pelas lágrimas desoladoras.... E vergonhosas.
A derrota nunca conheci. Sempre dei um fim à quem me ousou cruzar o caminho... Ou simplesmente levantar a voz em minha fronte. Sempre segui o caminho da objetividade e hei de seguí-lo até o fim. Desembainhar a espada é um momento de prazer extremo para minha mente. O som da lâmina cortando o corpo de outrem é alucinante - A lâmina gélida fatiando a carne quente e macia... O sangue jorrando com intensa vividez. Que momento inebriante!
Minha belíssima espada procura por vítimas, ou melhor, inimigos. Em cada simplório lugar que passo, ela analisa calmamente e me fornece detalhados relatórios. Nela eu sempre hei de confiar. Nela e em minha força. São as duas cousas que não quero que me faltem jamais. Nem sequer me imagino sem elas. Por isso digo que não desejo envelhecer em demasia. Procuro sempre manter-me ativo, em constantes batalhas, pois assim permanecerei tendo oportunidades de morrer de modo decente.
A honra que me acompanha, há de me acompanhar até o fim. Não posso nem quero morrer sem uma causa. A vida é algo entediante por demais... O único jeito que me permite aturar este mundo é correndo atrás de batalhas. Cortar algumas cabeças, enquanto permaneço imóvel e calmo. Sem essa opção, haveria apenas de me embebedar acerca de moçoilas despreparadas e fúteis. 
Não amo. Amor é tolice, caros amigos! O guerreiro que vos escreve perdeu toda a família nas guerras: E agora esse sentimento não mais me pertence. Meu pai, cavaleiro honrado, morreu com 10 fechas sob seu corpo. Somente aquietou-se após a nona... Matava infelizes mesmo com o sangue jorrando de seus flancos. Minha mãe, pobre e bela camponesa, morreu com uma espada apertada em seu tronco. O covarde que a feriu fatalmente foi torturado pelas minhas mãos impiedosas, anos depois. Eu tinha também um pequeno irmão, de 7 anos, que teve o mesmo destino triste que o de nossos pais... E eu - que ali não estava - fui morto do modo mais cruel que qualquer homem pode morrer: Pelo coração.
Pensando que me vejo hoje atordoado pelas lembranças dolorosas do passado... Lembranças que me tiram o fôlego e me comovem de ódio esplendoroso. Hoje não tenho mais coração - Eu o perdi quando pequeno, junto com as flechas e espadas que mataram minha honrada família. Eu, uma criança de 10 anos, tinha ido catar flores pra minha mãe, no jardim belo do alto da serra. Vermelhas, como seus lábios; azuis, como seus olhos; e amarelas como seus cabelos dourados. Ao voltar, me deparei com os corpos imóveis e gélidos de meus queridos. Enterrei-os e sob eles, coloquei as flores - Vermelhas, azuis e amarelas.
Depois de tal dia, transformei-me numa máquina de luta e impiedade. Vingança virou a água que me mantinha vivo.... Pois sanidade eu não possuía mais. Cresci, sozinho, cuidando da casa que me restou, e vivendo entre florestas e animais selvagens. Lobos viraram meus melhores amigos. Após me tornar o melhor guerreiro que aquela terra haveria de ter, matei-os todos. Todos os causadores de sofrimento da minha vila. Cada um deles morreu pelas minhas mãos. Digo aqui: Com tal barbaridade que jamais nenhum homem houve de conhecer. A dor da minha perda fazia meus olhos arderem de ódio flamejante... E me dava força pra continuar mesmo com flechas e cortes profundos. Demorei meses para me recuperar totalmente de tantos machucados físicos. Mas a ferida feita aos meus 10 anos jamais cicatrizou.
Tornei-me mercenário. Vivi de mortes. Vivo delas até hoje, que estou a beira dos 40 anos. Nenhum homem conseguiu me vencer, nem mesmo me fazer cair ao chão. Venço-os sem nem precisar pensar. Meus golpes são automáticos, meu corpo já conhece cada possibilidade de ataque e defesa. Esses coitados não conseguem encostar em um dedo de minha mão, quanto mais me ferir mortalmente. Não tenho pena nem arrependimento. Esta é a vida que me foi dada pelos Deuses. Jamais ousei me casar pois prefiro me utilizar de várias cortesãs, sempre que eu quiser. A vida, para mim, desse jeito, foi mais aturável... E não precisei me afeiçoar a ninguém. Nunca mais. E os Deuses me permitiram tal vida até então. 
Nenhum homem jamais me venceu, mas hoje fui vencido pela doença. Meu corpo dói e minha cabeça lateja. Suspeito que essa bebida seja a última que irei beber nesta vida. Estou tossindo muito e sai um pouco de sangue. Fingirei que nada acontece e chamarei Ula. Hei de me embebedar de seus lábios até que o luar se apague para mim. Para sempre.
Th. B.27-04-2013 - 16hs