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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Esta velha angústia...

Esta velha angústia

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar-entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos


Incrível como ele jamais deixará de conseguir me definir... Queria muito tê-lo conhecido =/
E não há imagem que defina suas palavras... Por isso esse post não terá imagem alguma.

domingo, 16 de janeiro de 2011

High Hopes in Low Places

O que há    



O que há em mim é sobretudo cansaço —  
    Não disto nem daquilo,  
    Nem sequer de tudo ou de nada:  
    Cansaço assim mesmo, ele mesmo,  
    Cansaço. 
    A sutileza das sensações inúteis,  
    As paixões violentas por coisa nenhuma,  
    Os amores intensos por o suposto em alguém,   
    Essas coisas todas —  
    Essas e o que falta nelas eternamente —;  
    Tudo isso faz um cansaço,  
    Este cansaço,  
    Cansaço. 

    Há sem dúvida quem ame o infinito,  
    Há sem dúvida quem deseje o impossível,  
    Há sem dúvida quem não queira nada —  
    Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:  
    Porque eu amo infinitamente o finito,  
    Porque eu desejo impossivelmente o possível,  
    Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,   
    Ou até se não puder ser... 

    E o resultado?  
    Para eles a vida vivida ou sonhada,   
    Para eles o sonho sonhado ou vivido,  
    Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...   
    Para mim só um grande, um profundo,  
    E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,   
    Um supremíssimo cansaço,   
    Íssimno, íssimo, íssimo,  
    Cansaço...

Álvaro de Campos

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Demência

Quando olho para mim não me percebo

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca propriamente reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


Álvaro de Campos